sexta-feira, 27 de março de 2009

Alcance lúdico

Não acenda a luz, Rubem.
Não acenda, não...
Por que esse mistério de sorriso, Rubem?
O que buscas em mim neste escuro?

Ah Rubem, senta aqui ao meu lado
e me diz:
o que te falta aos dias?
Por que me olhas assim?

Rubem, veja, aqui...
Percebes?
Eu estou com você.
Aquiete.

Ao meu lado, fique!
Teu sorriso ao meu lado.
Feche os olhos Rubem.
Este sopro...
Este sopro...
que te aperta forte...

Sou eu.
Dentro de ti.
Aquiete...
Estou em você.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Templo de ausências

"A angústia de ter perdido, não supera a alegria de ter um dia possuído" Santo Agostinho

O luto é um templo onde vou adorar meus pecados e dores pelos dias. Nele contemplo anjos e santos de pinturas descascadas, sem cor, sem vida; onde acendo minhas velas que não se apagam, em uma tola tentativa de iluminar meus pensamentos.

Em sua negra nave caminho rumo ao altar ornado de ausências inúmeras. Me ajoelho a derramar lágrimas de saudades, de indignação e raiva. E nesta hora não vejo nada além de mim e do meu querer.

É nesta casa que elevo minhas mãos e clamo a retomada das felicidades de outrora. Daquele aconchego morno, cúmplice e discreto; verdadeiro. Onde me despeço das alegrias e vou, cambaleante, ofertar flores aos mortos que partiram e pérolas aos que perambulam no meu limbo diário.

Onde sinto a impotência dos segundos; onde os dias são lineares; onde a ausência é matéria da fôrma de mim.

Porque tem dias que é insuportável. E não passa.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Chuva

Quando de dias chuvosos, meus olhos se elevam e pecam. Sentem inveja das carregadas nuvens e atuam de modo a imitá-las, sem que haja aparente motivo para tal feito.

Meu ser venta quando destas ocasiões. Um vento frio que percorre meus pensamentos, coração e adentra minhas veias, tornando gélido o sangue que por elas percorre.

Me enlaço então, em um abraço carregado de desejo e quietude. E permaneço ali, a sentir-me em você, a ser criança em primeiros passos frente aos pais...teus braços abertos estão, há de carregar-me ao calor de um novo dia.

De um novo tempo.

terça-feira, 17 de março de 2009

Paz de ti, em ti

Estais a porta com a felicidade nos lábios à minha espera. Porta um alinhado tom de equilíbrio que se esvairá ao meu encontro.

Digo.

Terna tua presenta a inundar-me de sabores e acolhimento. Me entendes a alma. Entendo teu corpo. Te necessito mais que a mim. E nos embalamos nesta esfera poética, real, de carne e pele. Clamo-te parte algoz que devora minhas palavras antes mesmo que eu as diga. Ao meu passo, lado, frente. Aqui dentro. Devore-te os olhos, corpo, sereno tuas dores e prazeres. Aqui dentro.

Recebo-te.

Entras pela porta a agitar braços e pernas e porquês. E me viras a face ao silêncio de nós. Nós. E as janelas, o vento, o som da música vem, vai. Ai! E o ir e vir, o dia claro, onde está o céu?...as estrelas...prossiga, me sinta, te vejo. Em teus olhos, aquela que pela manhã perdera a hora. Por achar a noite perdida ao passo do negro céu de lágrimas trovejantes.

E a paz de ter-te zelado o segundo.

E vou sem ponto ao encontro do passo que neguei. Porque o mistério, um dia, chega ao fim.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Esquecimento

As asas quebraram em meio ao voo alto. Caiu o pássaro ao chão. A menina veio correndo ao seu encontro. Queria fazer algo por ele, mas nada havia que se fizesse. Chorou. Ela amava aquela ave... e queria lhe emprestar as recentes asas ganhadas pela fada do dente, mas tempo não havia mais.

O pássaro a olhou antes de partir. Sentiu soltar-se a vida com a intensidade do vento nos céus... fechou os olhos em uma queixa final. E se foi.

Ela o enterrou ao lado de sua cama. E nunca mais nele pensou.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Receituário

Flutuar inquietudes
de um desejo construído
ao delírio de espasmos
regulares.

A receita para sarar-te
os dias é prescrita a
purgar sua dor.

Três gotas de fugacidade
Uma imersão de fatalidade
e um eterno repouso
absoluto.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Compasso

Para Filipe.

Gotas de orvalho dançam sobre o ar. Te vejo a caminhar por elas, a subi-las como a degraus de transparente chão. Esta é a imagem que tenho de ti. Buscas um entendimento de roda; está ao seu alcance, mas não o toca. Ou não deseja, pois ficará despido de ti.

Sentada ao banco do encontro catando palavras que borboletam ao redor das flores de pensamentos abstratos estou. Tu caminhas ao som de orquestras a revelar-me segredos aos olhos, que encobertos por um véu estão. Nada além me faz querer-te com ternura. Apenas ternura e encantamento. Visão de aconchego. Rodo contigo...

Desces do céu e me contas brisas de tuas dores. Ventamos em canções de porquês...Vago divagar de palavras que amenizam nossos labirintos cotidianos. Somos um sopro de luz ao encontro da busca; ao encontro da completude que nos ronda sem que permita o toque . Ronda à roda...

 
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