quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Brado

Suplicante te peço
Em relampejo desejo que brota
Da pele minha
Ao encontro da sua.

Tenha dó
E venha.

Por onde quer que seja
A conduzir a arritmia densa
Em que sussurro
Teu nome.

Tenha dó
E venha

De mãos atadas
Suplicante
Curvada ao pedido
Rogo-te:

Tenha dó...
Tenha dó...
Tenha dó.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Vida e morte no baile

Desligo o carro, atravesso a rua e bato à porta ininterruptas vezes até que ela se abra - o que não demora. Lanço-me à casa ávida pelo encontro, por quebrar descuidadosamente um vaso que ao canto está, pela pressa de ir e ser. Mas não o faço. Sento-me à poltrona, pés a balançar. No rosto, um singelo tom de “diga-me” com ares de “que seja assim” e não de que “assim seja”.

Enquanto isso, fantasmas valsam na sala. Eles não estavam aqui quando entrei. Não havia música, apenas o bailar do mutismo.

A inquietude taqui-cardia-me. O desejo, a ânsia, a cruz. Valha-me Deus. Valha-me o Diabo. Eu sou o meio que pende. Levanto-me. Ando de um lado a outro. A parede branca, o retrato. Tudo em mim.


Desligo o carro, atravesso a rua e bato à porta uma única vez. Entro na casa, sorrio, sento e observo as pessoas que valsam uma canção alegre e rítmica. Balanço os pés e aceno. Agora não é mais uma canção. É a canção. Sorrio e aceno. Assim, é como faço. No rosto, uma angústia translúcida de “assim seja”, com ares de “que seja assim”.


domingo, 28 de setembro de 2014

Caderninho azul

Era uma história. Não uma vez.
Nela, rascunhos rasurados
De amor.
Um caderninho azul.

Começou contando
A vida de dois.
Terminou com a de três.

De um, que estava na estória,
Mas não na vida;
De outro, que estava na vida,
Mas não na história.
Terminou com a vida de um.

Mas este um alheio.
Não era nosso filho.
Nosso filho...

Voltaram-se então,
Às páginas em branco
Onde o terceiro vive.
A vida dos dois.

domingo, 17 de agosto de 2014

Dona Renata

À Dona Renata

Chora, Dona Renata. Entregue-se copiosamente ao desespero, à dor. Tua força é bonita, mas pesada. Tens ainda, à frente, muita dureza a caminhar. Chora agora. Deita-te nos ombros dos amigos ou no colo de teu travesseiro – ou no dele. De dia mesmo, não espere à noite, não espere o amanhã. Tu, mais que ninguém, sabes que o amanhã ainda não existe. E pode não existir. Descanse, Dona Renata. Sinta a tormenta que está, pois ela irá diminuir seus ventos, sem nunca cessar. Torne leve teu doloroso penar. De forte, já bastam os arrombos da vida. Afrouxe tua fortaleza. Repouse. Há que ser dura noutros dias; permita-se, por hoje, nada ser além de saudade.

domingo, 29 de junho de 2014

O canto

O espaço é tão amplo, frio... Assim, todo pintado de branco. Aliás, branca é uma cor fria? Não sei, mas o espaço é. Frio e iluminado pelo sol que rasteja no chão, ao entrar pela fresta da janela. Que horas são? Há pouco, era ontem. E já é hoje, que logo ontem também será. Logo? Não, pois o sol rasteja e eu não abro toda a janela. Mesmo se abrisse, o hoje não seria ontem tão cedo amanhã. Compreende? 

Fumo. Para ver se a fumaça embaça a lembrança. Mas nada acontece. Ela é pouca para o espaço branco, amplo. E eu lembro de tudo. Não que eu queira, mas não me deixo esquecer.Eu queria, mas não me deixo. Isso nunca se vai. Fumo. E a fumaça se esvai. Somente ela. Se vai. E eu fico. No espaço branco, amplo e frio.

É melhor colocar fogo neste apartamento. 

domingo, 4 de maio de 2014

Tarde

Caminho ao passo da velhice, como se meus jovens anos não soubessem do tempo em que vivo. O feixe de luz por entre os prédios, o bater de asas do pássaro, o menino que lê e sorri, são como fantasmas em meio ao caos diário, por onde a ordem agora se faz razão de ser. 

Ninguém os vê, além de mim. Devaneio. Atraso meus deveres, minha rotina a contemplá-los. O mundo corre. Perco a hora - que se esvai veloz pelos ponteiros do relógio. Não há espera. Ninguém me espera. 

Quando percebo, o sol já se pôs. A porta está fechada. O tempo não se encaixou às horas. 

Eu era sozinha.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Saudade

Texto publicado em Maio de 2008. Para todos aqueles que sentem saudade.


Era uma varanda extensa, com um pequeno jardim à frente. Havia uma rua pouco movimentada que trazia vida àquela residência tão quieta. Trazia porque os passantes estavam habituados a olhar aquela cena quase fotográfica, não fossem os suspiros de tempos em tempos vindos daquele lugar...

Ela se sentava todos os dias na mesma cadeira. Nas manhãs, tardes e noites, após exercer mecanicamente todas as atividades diárias da casa. E todas as necessárias para que sua vida prosseguisse, até chegar a hora em que Deus resolvesse levá-la.

Deus. Como ela chamava por esse nome. Pedia diariamente para que ele colocasse um fim a sua melancolia. Mas ele a ignorava, e se esquecia dela. Passava ao seu lado sempre, levava a Maria, a Selma, a Ivone.... E se ia. 

...

Lembrava da casa cheia. Das crianças correndo naquele jardim. Dos longos almoços cheios de sorrisos e altas palavras; das visitas vindas de fora, das vizinhas amigas, dos bordados, dos bolos com café passado na hora...

Suspirava. Levantava. E limpava a lágrima que sempre teimava em cair.

******

...porque hoje é dia da saudade. E que dia não é?

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

{Música} Vício - Phill Veras

Esta é uma das músicas que eu gostaria de ter escrito...


Baixe as músicas de Phill Veras no site Musicoteca.
 
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