quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A história de uma bárbara trepadeira.


Trepadeira:
1- [Botânica] Diz-se de ou planta que, como a hera, trepa com elos ou  gavinhas ao longo dos corpos vizinhos.
Bárbaro:
1 - Próprio de quem não é civilizado; rude.
Dicionário Priberam

"Cala a boca - olha o fogo"
C.B.

A trepadeira putrefa na lama. Seus frutos negros, fétidos, sem visco, se apresentam aos que passeiam inglórios ao seu entorno. A trepadeira exala uma indiscrição latente que polui o ar com seu aroma e cega os famintos por preencher os vazios de suas fomes.  Bárbara, se apresenta sem valor aos que desejam insaciáveis encontros consigo e com ela – a trepadeira. Insinua seus galhos pelos caminhos fáceis que se abrem aos que mendigam calor – o inferno é quente.

No recife pegajoso em que dá seu fruto, macula uma boca mascarada que, na podridão de pertencer, cede seu sabor ao azedume e imerge uma vida no lamaçal do momento. Homens putrefos, paladares funestos. A vida é a morte do ser, em um cortejo fúnebre de suas falsas verdades andantes.

A trepadeira putrefa na lama. O homem putrefo trepa, bárbaro. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Quem me leva os meus fantasmas - Pedro Abrunhosa

"Tropeçava no riso, abraçava venenos.
De costas voltadas não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha no muro.
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta.
Quem leva os meus fantasmas?"

domingo, 9 de dezembro de 2012

O nome - Parte 7

Eu não gosto do nome. Não gosto da metáfora do nome. Eu não vejo o céu, porque o céu sumiu. É. Você sabe como fazer o céu sumir? Sabe? Eu não sei, mas ele some. E volta quando quer. À noite, durante o dia, à tarde. Eu não gosto da tarde. Eu gosto da noite, mas agora eu vivo durante o dia, a tarde e a noite. Eu não morro mais à tarde e nem ao dia porque eu já estou morta. Aqui deitada sem dormir, sem sonhar, sentindo o vento da muralha, lembrando do nome e da metáfora do nome. Morta.

Quando eu era pequena, brincava de viver. Porque a gente está morto, a gente brinca de viver inventando. Vendo o que não existe, a gente inventa a existência. E sofre, e faz sofrer. E sofre porque faz sofrer e porque fizeram. A gente deixa de fazer pra não sofrer e sofre. E faz sofrer. E dói tanta dor que não existe mais vida sem dor. A vida é dor. É sem ser de outro jeito.

Tem gente que é mais feliz, mas é porque vive muito mais que está morto. Eu não queria sofrer tanto, mas não queria viver. Porque quem vive esquece de ver. Só vive e é feliz, não vê, não sente e não morre de vez em quando. Às vezes sofre. Mas passa, não fica...

domingo, 2 de dezembro de 2012

O nome - Parte 6


Assim a noite vai indo e eu fico sem meus paliativos escuros que me cobrem a dor das reminiscências. Eu gosto do escuro, você gosta? O escuro me cobre e me aquieta. A dor dói menos. Tem gente que não gosta, mas eu gosto: o escuro acasalado ao silêncio. E as mãos no peito. Entrelaçadas. Gosto do escuro. E de anjos. Não gosto das tarde e do nome que gritei antes de subir as escadas.

Viver dói. Aos pouquinhos, dor aguda, fina, ininterrupta vida, dor fina, que fica, que fica, que fica. Eu queria ter sono. E sonho e dormir. Mas é bom ver anjos dormindo. Eu amo ver anjos porque anjos não existem. E ai são reais. Porque tudo é inventado. Você é inventado, e eu gosto de você. Mas você não existe. Somente a muralha existe, mas a muralha venta um vento tão bom que eu quero que seja anjo. Porque anjos não existem, então você não existe e eu sofro só com a vida. Porque se você não existe, não é vida. Só muralha que venta um vento bom... 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O nome - Parte 5


Agora é meu nome que ouço. Não o digo, mas ouço. Eu esqueci as palavras, por isso não posso dizer meu nome. Nem o seu, nem o dele. Me chamam, eu vou. Vou parecer um anjo. De pele alva, lábios tinto vinho, negros cabelos, corpo enluarado - muralha mansa que venta anjos. A noite era quente, depois fria... o tempo está bom. Agora, de novo quente. Quente bom, a noite pode ser quente e ser gostosa. Gosto de vinho, de muralha e de olhos verdes - mel.

A muralha é doce. Não sei quantas são as horas. Não quero saber de nada... Vinho tinto, tintos lábios. Doce muralha, parece anjo. Acho que estou sonhando - serei capaz? Não, não, é apenas um devaneio. Eu não sei sonhar, esqueci como faz. Eu queriadormir. Mas venta um vento bom...cor de muralha, verde-mel. Não quero dormir mais, nunca mais, venta o vento da muralha. 

Quando deito, junto as mãos e as entrelaço. Ao meu peito, ao dele, ou ao desejo do sonho. Desejo somente, porque eu não durmo mais e, portanto, não sonho. Antes eu gostava de sonhar, mas já me acostumei com a falta. A falta vira parte e passa a ser. Eu sou: diferente ser. Quando deito, entrelaço as mãos. Porque sempre preciso preencher minhas mãos; nelas, sempre há falta. Mas esta falta não é...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O nome - parte 4


Pego um vinho na segunda porta da cozinha do apartamento em que ele está. Em que estamos. Não há taças, por isso bebo na garrafa. Estou com calor, a noite está quente. Ele dorme como um anjo e eu não digo mais nada. Engoli as palavras em um gole tinto – sinto minhas mãos doerem. Vinho rubro, fez descer as palavras por meu corpo. É o vinho que desce por meu corpo. São as palavras que descem por meu corpo. Você gosta de vinho? 

Eu gosto de sair à noite; não durmo mais. E ele? Parece um anjo enquanto dorme. Enquanto vive também. Esqueci as palavras. Me empreste as suas? Já que não durmo, verei anjos. Eu não digo mais. Ele dorme. Eu bebo. Ele parece um anjo. 

Há uma fotografia que me olha enquanto estou aqui. São três e vinte seis. Logo serão três e vinte sete. E a fotografia não mudará. Eu mudarei, irei expirar o ar que está em meus pulmões. Eu queria dormir de novo. Um dia, que seja; acho que preciso fechar a janela, venta muito e não sinto mais calor. Agora estou com frio. 

Parece uma muralha a fotografia. Alta, de olhos cor de verde agora, cor de mel quando há sol – agora eu convivo com o sol. Ele me olha, a fotografia me olha. Ninguém dorme mais, nem anjos. Nem muralhas. Um anjo de muralha. Parece vento manso. Anjo de muralha que venta manso...



sábado, 29 de setembro de 2012

O nome - parte 3


Subi as escadas e o vi dormindo. Ele sonha anjos voando. Acho bonito quem sonha enquanto dorme. Eu não durma há anos. A vida me tira todos os prazeres aos poucos. Antes eu dormia de dia, porque não gosto do dia, então eu dormia para ter prazer além da noite. Eu dormia, não durmo mais. Agora vejo as pessoas sonharem com anjos. Acho bonito quem sonha com anjos. Ele parece um anjo. Não somente enquanto dorme, durante o dia também. Agora eu sei por que não durmo durante o dia. E nem durante a noite – eu não gosto das tardes. E ele parece um anjo. Acho bonito quem dorme, quem sonha. E quem parece com anjo, sem parecer....

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O nome - Parte 2


Minhas mãos sentem o peso do papel. Latejam desenhos por ti conhecidos quando coloco em folhas aqueles geométricos gráficos que dizem mais que minha boca. Escrevo noite adentro, mas durante as tardes, nada me vem. Estou livre à tarde. Para um café, um amor, para as compras. A tarde. Eu não gosto da tarde. Você gosta?

domingo, 16 de setembro de 2012

O nome - Parte 1


Você sabe do que eu estou falando? Não, você não sabe. Você não sabe de nada! Não sabe que eu estive fora esta noite e que gritei pela rua teu nome. Isto, sem que ele ouvisse. Eu desci as escadas sem que ele ouvisse. E gritei teu nome. Andando pela rua, por que andei somente por uma rua, gritei seu nome. Sem pensar, sem querer, sem sentir, apenas a lua iluminando o concreto do chão. Chão de concreto, ao menos o chão, minha sombra e teu nome. Eu gritei teu nome. Não sei se alguém ouviu, mas sei que você não me ouviu. Você não ouviu quando eu gritei teu nome. Eu gritei teu nome. Eu gritei, sussurrei, embeveci meu ar - de teu nome... 

sábado, 31 de março de 2012

Janela quebrada


Quando olho ao horizonte, não vejo mais aquelas cores que brilhavam a mim como perpétuas luzes que nunca iriam se cessar. Aquela imagem de contornos precisamente delineados, faiscados de uma alegria prolongadamente verdadeira, se apresentava diariamente à paisagem rotineira de meus dias com uma beleza doce e harmoniosa. Era assim que eu sabia olhar; esta era a sombra fresca em que eu deitava vista quando ao lado o mundo estava monocromático. 

A janela extendia meu olhar à vida. Transparecia desejos tão cheios de sonhos e fantasias, ao passo das alegrias que a felicidade traz. Moldurava meus pensamentos à esperança de que ainda havia vontade, ousadia.  

Mas a janela quebrou. E eu não sei viver mais. Meu corpo não pode se mover. Outras cenas não se encaixam a moldura de meu olhar que agora se delineia através de um vidro abstrato, de contornos imprecisos e imprevisíveis. A nova forma mudou a cena. E onde me encontro, neste lado de cá da rotina? Cinza, o interior da vida é cinza, e abafa a ausência de ventania externa.  

A janela transita entre quem eu sou e quem eu sou? 

Hoje, só, vejo. Somente hoje vejo. É assim que eu sei ver, só assim sei viver.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A pele que há em mim - Márcia Santos

Minha mais nova paixão musical; especialmente para meus leitores de Portugal...

quarta-feira, 7 de março de 2012

A bruma dos dois planetas


Ainda que tardio
Aquilo que sempre foi
Mesmo antes de ser
Pra sempre
Aqui está.

Secretamente revelado no não
No olhar que se esvai pela vala do assim

Caminhando contigo.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Evidência minimalista

Em um dia bonito de sol, em que o céu azul banhava minha certeza de constante alegria, tu pegastes a roupa do quarto, e preenchestes a mala vazia: ao menos algo nesta casa, conseguistes ocupar.
 
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