domingo, 31 de agosto de 2008

Mosaico

À porta de casa, deixaram um presente. Abro a caixa e verifico diversos azulejos coloridos em seu interior. E um martelo.

Nos dizeres do papel, conclamado está o ato: "Quebre-os!". E assim o fiz.

Dia outro um círculo recipiente, massa e espátula ali também se encontravam. Um cartão com um desenho nada abstrato. "Figura-te em pedaços, faça-se!", ordenava.

Laboro tendo por companhia o clarão artificial. Vejo - o se apagar e o nascer do natural. E eu ali, a construir-me.

O mosaico se projeta límpido aos meus olhos. Alegro-me por ver que artes saem de minha figura. Muitos passam, congratulam-me pela obra, desejam ajudar-me no trabalho. Oferecem azulejos preciosos para compor-me. Aceito alguns, outros agradeço e dedico um sorriso.

Dias passam, e por pouco o projeto não se concluí. Falta a peça final, que definirá o contorno da forma.

Volto à caixa. Revolvo-a e tento todos os cacos. Nenhum com encaixe perfeito de cores, formas ou textura.

À porta novamente, recebo-te. Fechada. De mistério, faço palavras: quando a casa for reconstruída, quando as paredes receberem novas coberturas, aceito tua oferta. E a forma se definirá. Mas lembre-se: enquanto abrigares nesta casa, a reforma não será concluída. E o mosaico não se definirá.

Retorno à mesa de trabalho. Suspiro e leio canções não musicadas.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Aniversário do "Cedros Vermelhos"!

Queridos!

Flávio Circini, autor do blog Cedros Vermelhos, me pediu há alguns meses que preparasse um texto em homenagem ao aniversário do blog. Muito honrada, vi hoje que o texto foi publicado. Estou radiante, pois este é um blog cujos contos me fazem flutuar. Gostaria de convidá-los a visitar e a deixar seus comentários:
http://flaviocircini.blogspot.com.

Aproveitando, gostaria de agradecer a todos que passam sempre por aqui. O Degustação Literária é muito importante para mim. Fico sempre muito feliz quando vejo a percepção de vocês sobre o que escrevo. Críticas e sugestões são sempre bem vindas!

Agradecimentos especiais aos meus amigos de blog Euzer Lopes (Metendo o Bedelho), por nossas discussões sobre os textos e por suas loucas aventuras (Euzer! Posta mais! Outubro está tão longe rs...), Flavitcho (Divagando e aprendendo. Ou não!), por me emocionar com seus textos, pelos mimos de sempre e agora por nossas conversas; aos meu amigos da faculdade, por divulgarem o blog e passarem sempre por aqui: Catarina (demora a postar um comentário..rs..), Gleidson, Samuel (divulga, mas não lê...rs...)...e todos os que visitam e não deixam comentários! À minha mãe, que o divulga a seus amigos; à minha Tia Vivi, que também divulga para suas amigas; ao Fabrício pelo incentivo à escrita e por tornar o blog internacional (exportação para Juiz de Fora...rs); ao Rubens, pelas análises e por utilizar a obra de Lacan para deixar seus comentários (rs...); Marininha pelas idéias....e muitas outras queridas pessoas!

Gente, obrigada mesmo!

Bjs a todos!

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Harmonia

"Necessitamos sempre ambicionar alguma coisa que alcançada, não nos torna sem ambição." Carlos Drummond de Andrade

Quando ele chega, beija calorosamente sua face. Escorrega um pouco mais a cada dia rumo àquele sorriso. Acha-o tão belo que a todo momento motiva-o, mesmo sem dizer palavra. Apenas sorri e ela retribui. Transam longos olhares fixos, dissimulados pela aparente concentração.

A fluência das conversas esconde o recente olá: os assuntos são infindáveis, as horas, escassas. As mãos dançam por sobre a mesa e casualmente se encontram. Rios descem garganta, tamanhos são os desejos... Motivam ocasiões de reclusão, consagram a vida! Assim, harmonizam os dias.

A cada glória vivenciada, presente se faz a vontade de prosseguir... de ambicionar-se um no outro.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Aborto - Final

"A vida inteira que podia ter sido e que não foi". Manuel Bandeira

Tempos depois, em casa.

Seu rosto sangrava. Como se se tratasse de um teatro sem graça, reagia incólume ao ato.

Sinto meu ventre se expandir a cada dia.E me tomar as forças que me fazem viver. Vou me enchendo deste sentimento que não desejo. Deste filho que não nasce, apenas cresce. Até que eu acabe com ele, ou o contrário.

Pingam uma, duas...e o branco se torna rubro à falta de expressão daquele rosto.

Não, não posso suportar . Não aguento acalentar a espera que suprime meu futuro. Acalentar o fruto de um amor que foi desejado, não mais é. Um amor marcado agora por longos silêncios. E pela ausência que me alimenta, fazendo com que meu ser seja tomado pouco a pouco.

Levanta. Rasteja cambaleante por todo o quarto. Precisa passar.

Passo noites embalando meu peito, me sentindo insegura e triste. Solitária. As noites se tornaram exercícios mecânicos repetitivos que buscam explicações, projeções e um futuro. E nada encontra. Vaga, simplesmente. E não adormece.

O céu está ocre. Lacrimejam seus olhos. Ora:

Lânguida em seu terno abraço de candura. Aura leve, passo calmo. Quase um flutuar sobre as brasas intrépidas da existência. Cobre o inverno de minh'alma com a brisa fugaz do que chamo eternidade. Serena, caminhe ao meu lado ao passo desconhecido do que um dia repudiei. Abraça-me... leva-me contigo.

Perturba-se.

Quanta angústia sinto em meu peito! Procuro o ar, não encontro. Corro à janela. Abro-a, o tempo está seco. Nenhuma brisa, nenhum sopro. Desejo voar.

Vo(o)u para o término. Seria um começo.

A terra tem um calor gostoso, me enlaça como em um abraço. Não te tenho mais, ansiedade. Você não nascerá. Agora, descansarei sem ti. Eternamente.

Paz.

sábado, 9 de agosto de 2008

Ação - Parte 3

_ Alô. Estou chegando em vinte minutos.

Desligou o telefone e caminhou para o carro. Não queria saber se ele poderia recebê-la, se estava sozinho, se desejaria vê-la. Precisava dele naquela noite, queria provar a si que conseguia ser mais forte que sua alma. E que poderia esquecer tudo, poderia sentir e deixar quando assim desejasse.

Pensou.

Daria sua vida para que não o tivesse visto. Por quê encontrá-lo assim, daquela forma? E aquele sorriso...ah, aquele que a acolheu um dia. O sorriso em que confiou sua alegria. Confidenciou seu futuro, partilhou seu desejo. Por sua falta, havia enrijecido o seu, antes largo e permanente.

Deixou que ele enxertasse seu coração, tão rasgado por todos os anos. Só não sabia que ele faria isto só para ter o prazer de lapidá-lo a golpes de navalha. Sentia-se presa como à uma corda elástica àquelas lembranças. Conseguia andar alguns longos passos, mas quando pensava estar em outras nacionalidades, recebia uma rasteira e voltava arrastada para o início de tudo.

Verdade era que todos os anos se passavam e ela permanecia. Seu desapego não era real. Gostaria que fosse, mas não era. E sofria por encenar roteiros cujos cenários estavam trocados. Deveria viver para a vida, não para o tempo. Era preciso sentir o seguir...

_ Estou surpreso. E feliz. Venha...

Não permitiu que ele dissesse mais nada. Consentiu afeto a si. Suavizou-se ao sabor dele.
Dentro de si um estrondo não calava.

Angústia.

Continua....

domingo, 3 de agosto de 2008

Reflexão - parte 2

Ao chegar em seu apartamento, abriu a gaveta da cômoda e depositou ali a fotografia. “Mais um homem de papel”, pensou. E viu inúmeros outros momentos que estavam ali guardados. Buscou, repetidamente, como o fazia quase todos os dias, aqueles dizeres em que sentido ainda não via.

Preciso falar-lhe: dome sua vida. Coloque rédeas nela, não importa se longas ou curtas. Guie-a. Opte por escolher, não se engane acreditando que tua existência tem pernas. Ela só caminha por ti. E mesmo que desejas ser levado aos passos do impensar, lembra-te de que não escolher é uma alternativa a ser seguida também. Não há estrada a percorrer que não a tenha escolhido. Não há silêncio que não seja um posicionamento de fala – sim, e são tantos os dizeres presentes na ausência dos sons.

Seja feliz com o que acreditas ser a felicidade. Se não a encontrar na ideologia que há tem ti, pensa. Se a casa construída para o abrigo não possuir teto, não conseguirás descansar em paz, dependerás do tempo sempre. Abriga-te por completo, metades aqui de nada valem. Você é único, os momentos é que diferem. Pensa, não é o contrário.

Acredita. Não espera, busque. Existem raízes por sobre a terra. E elas são sustentáculos também. Não existem apenas as subterrâneas, que nada vêem. As superiores têm a mesma função, é tão importante quanto. E não se esqueça: são superiores, não superficiais. E mesmo assim são alimento, fonte de vida. Estão expostas a maiores perigos, mas se esta é a natureza delas, não há como escapar. O importante é o desempenho, não o lugar. E raízes são raízes. Independente do solo em que estão plantadas.

Quero-te bem. Ressoa estas palavras em ti que elas refletirão. Precisamos ser mais felizes. E tem que ser agora.

Ainda se perdia ao seguir este pedido. Ainda se abrigava em casa sem teto. Amanhã, domaria sua vida, mas vivia sempre o hoje.
Quando se permitia sentir, sentia-se só.


Ânsia.
continua...
 
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