quarta-feira, 30 de julho de 2008

Momento - parte 1

Conhecemos-nos há tempos, mas nos falamos em ocasiões dispersas. E curtas foram as frases. Até que o acaso presenteou-nos com esta noite.

_Preciso ir. Já amanheceu o dia. Você me devolveu o sorriso, e me descobri nova na tua presença.

_Fique um pouco mais. Ainda temos tempo. Não precisa ir. Além do mais, sei que posso te amar. Se você for agora, sofrerei por não ter ido além.

Sorrisos.
_Você não suportaria meu amor. Meu apego, meu querer. Eu o circundaria e você não reconheceria esta que esteve ao teu lado por ora. Você seria capaz de amá-la também, mas não quero vivê-la à tua presença.

_Não importa, fique até minha partida. Depois deixaremos correr as horas, e nosso viver será moldado pelos dias que virão. Nada faremos. A vida rumará por si.

_Devo ir. Não sei até quando serei esta de teu prazer. Amanhã voltarei a domar a vida. Minha escolha é guiá-la, repito: gosto de escrever-me ao que virá...

_E novamente digo: seria capaz de te amar. Permita-me...

O beijei, peguei a câmera em minha bolsa e o fotografei. Passei pela porta que acabara de abrir. Pensei não ser capaz de me amar. E só o permitiria a alguém, quando me encontrasse entre a de ontem e a de agora. Preferi nada sentir.

Tempo.

continua...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Monólogo dirigido ao peixe que saiu do aquário

Ao menos sei que estava certa.

Pouco te olho. Sei que não o reconhecerei se o encarar. Por isto me desvio, me esquivo. Entendo o porquê de não desejarem a procura. Você, que viveu em mim, já não está mais aqui.

Roídos os dias, busca sem glória.

A morte, ausência do diálogo, do encontro, do cuidado é mais dolorosa quando da não partida física. Quando se sabe que o que morreu foi o sentir, a inquietude se instala no viver. Nada sinto se não tuas contradições.

Encontros não desejados. Ouço o que não procuro. Mentiras encobertam falsos sons.

Inverdades são ditas para tentar apagar as lembranças do último e indiferente encontro. Palavras que não dizem às ações. Estas não correspondem ao amigo. Nem ao amante. O altruísmo que pensas existir no personagem que encenas, só é válido se pensado como suicídio. E mesmo assim, no palco de sua mente.

Faz algum sentido para ti?

Já não importa. Não mudará. Repousastes o fardo que tanto desejou que desabasse. Mas seu desejo não foi realizado. Quando verbalizastes o abandono, já não existia apego há muito. Não somos mais as metáforas dos mundos. Não passamos de estrelas vistas aqui de baixo. Neste lugar, elas não são especiais. São iguais a qualquer outra.

Se quiser viver em Pasárgada, seja amigo do rei. Percebes a diferença?
Espontânea não foi sua partida. Foi calculada, antes mesmo de rotular-me. Não digas “É isto que você acha?”. Não, não era. Mas foi o que me mostrastes. Com tua falta de essência ao designar-me assim.

Oro:

Faz-me justa. Livra-me do egoísmo e do ilusório palco de nossas hipocrisias. Eleva-me além do que alcanço. Quero voar. E quando eu disser que vou tentar, que eu mergulhe. Não quero pular para fora. Abre meus olhos. Agradeço pela força de regurgitar essas nuvens opacas.

Para mim, era importante.

domingo, 20 de julho de 2008

Julho de 2008

As lágrimas lavam o chão para que se dance a valsa. Hoje haverá núpcias. O cortejo não sorri ao rosto, mas no coração. Você será carregada para os braços de seu amado. Da nossa maneira, estamos felizes. Pois sabemos o quanto este encontro foi esperado.

Sua íris ficou azul, da cor do céu. Seu olhar, ao longo destes dias, foi o mais representativo de todos os olhares que divagaram pelo mundo. Sua caminhada se deu através deles. Seu desprendimento, seu adeus. E você adormeceu em um longo sono.
...

Ele se vestiu com um terno claro. Voltou a assobiar aquela velha canção. Se portou como um rei à porta da eternidade para recebê-la. E em um júbilo lacrimoso conclamou: "Seja Benvinda, meu bem. Para sempre".

E das contradições cotidianas que ora afirmam existir o amor, ora o contrário, aprendi não haver sentimento mais belo quando de sua verdade. Contarei, também para o meu sempre, mais uma linda história de amor.

Te amo e já estou com "sodade".

José e Benvinda

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Para seguir...

Entro no carro. Os ponteiros marcam alta velocidade.

Ninguém de nada desconfiou. Nunca. Só nós sabíamos. O tempo todo. E nos olhávamos. Muito. E me feri, pois vi o reflexo de nossas escolhas. Sofri minha inquisição ali, naquele momento.

Estrada longa, cheia de curvas. Para que a minha atenção seja só esta.

E os caminhos se tornaram tortuosos. Eu desejei que ela morresse. Sei que não deveria, mas era tudo o que eu queria quando a vi correndo daquele jeito. E você nada podia fazer. Ou não queria. Tinha medo, sei que era isto. Porque se penitenciou deste jeito?

Fecho os olhos. Insustentável a trilha abaixo de meus pés.
Miguel, não existem coincidências, mas associações. Não acreditamos no destino, mas quando digo que a escolha foi dele, digo que nos deixamos levar. Permitimos que acontecesse.

Sonho:

Exorcizo-me nas palavras
subjacentes à significação.
Senti tua leveza.
Vivenciei tua glória
ao acorde do violoncelo.
Gladiei-me em espírito.
Sarcasticamente, ao final, sorri.
Encenado o ato,
partida à nova era.
Para seguir, é necessário.
Esquecer as batidas do martelo.

sábado, 5 de julho de 2008

Rubra noite

Jogo os dados: nove.

Vermelho. Pinto os lábios de vermelho. Os olhos, já negros, são reforçados com traços de escuridão. Nas maçãs do rosto, um leve toque que sugestiona vitalidade. Vestido preto, com um acentuado decote. Pés elevados por uma sandália alta. Cabelos presos, nuca nua.

Jogo os dados: nove.

Para os dias monocromáticos, vermelho. Dos meus pés ao céu. Faz frio, sinto o vento cortar minha pele. Assim é melhor, assim me sinto viva.

Jogo os dados: nove.

Sim, leva-me. Desejo dançar ao seu som. Erguer-me à sua voz. Ir por tuas palavras.

Jogo os dados: cinco.

Colorir o céu, fragmentar o ar... ir e vir. Ao seu sabor, ao gosto de uma nova nuance fervente. Ensandecer à tua presença. Esquentar-me ao seu calor.

_ Sim!, podemos ir agora.
 
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