terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Dezembro 2007

Da última vez que o vi, dizia sentir frio. Havia uma grossa coberta sob seu fino corpo. Mas mantas não aquecem almas. Infelizmente, palavras também não. E o frio perdurou por mais algumas semanas, até que seu corpo aqueceu, e o coração aquietou. Ficou tão calmo, que adormeceu.

Despertei.

A casa vazia é cheia de sua presença. Na garrafa de café, faz-se notar seu rastro pelo físico e ausência pelo conteúdo. Não mais haverão pães com queijos quentes. Não daquele jeito. O bolo comprado “procêfia” não estará mais presente nas tardes. 

Pergunto-me como pode o silêncio soar tão alto nesta sala? Procuro um assobio longe, mas não o escuto. De repente, meu coração dispara, e é ele quem me faz ouvir um tamborilar na mesa, como aquela velha canção orquestrada pela presença de sua voz: "oi...ai...". Mas é só meu coração. Você não está.

A saudade me faz vê-lo abrir a porta e procurar o movimento da rua, para tentar por fim ao seu sossego... Mas ele sempre esteve dentro de ti, e foi levado contigo. 

Lembro-me de mexer em seus cabelos e pequenos fios, como neve, caírem ao chão. "Por quê?", me dizia em um olhar. E depois deitava, e deixava desprender sua alma aos poucos. 

Um dia, ela tomou velocidade e partiu, a parte que lhe pertencia, deixando a outra no vago olhar que buscava: "onde está o meu José?".

Todo o sempre que passo por aquela porta, espero você voltar da rua. Por favor, não demore. Eu te amo.

Vida hansênica

Ao caminhar pelas avenidas
deparo-me aos pedaços pelo asfalto.
Em algumas partes
apenas chão batido.
Vida hansênica!
Chutarei seus cacos de existência.

Pretérito presente

Desnuda de teu olhar
a tontura pungente dos dias passados.
A luz que se apagou
ilumina a escuridão clara
dos dias vindouros.
A sede de teu corpo num atraso infinito,
guia meus novos passos...

Ausência II

Oposto do teu significado
preeenche tudo a que toca.
Inunda com vontade
o corpo cuja morada
abriga a partida.
AUSÊNCIA.
Completa tua forma
neste teu santuário.

I

Só tenho direito a dor.
Fria, pulsante, purgante...
só a ela posso desejar.

_ Livra-me do fardo de não ser.

Seja sublime em tua essência
delicada, distoante...
Corte minhas veias e
faça fluir,
translúcido,
meu permanente caos.

_ Minha quimera de purificação
e penitência!

Nobres os que te têm
como calvário.
Só tú entendes a vida.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Sarah

Sem inspiração para revisões e questionamentos gramatico-literários. Espero compreensão. Desculpem e obrigada!
Detesto datas comemorativas. Não há o que se comemorar. Para mim tudo não passa de uma nostalgia da farsa voluntária. Reuniões com frases ocas. Congratulações robóticas. Abomino todas, sem excessão.
No próximo fim de semana é dia das mães. Grande coisa! Estou cada dia mais certa de que Sarah nunca soube bem o que esta palavra significa. E domingo terei que dizer: "Feliz Dia das Mães para a melhor de todas!", e fazer o meu papel nesta dramatização comércio-social.
Sarah nunca foi forte. Sempre foi aquele mulher "sim senhor". Aos sete anos perdeu a mãe por uma infecção não tratada. Assumiu algumas responsabilidades de casa enquanto via seu pai definhar noites adentro tendo por companhia conhaque e Mercedita Bardô, puta pobre da rua Laranjais. Aos treze, conheceu quem seria futuramente meu pai, Lázaro. Ele não era muito bonito, mas tinha um charme de chamar a atenção de qualquer moça que com ele conversasse por um minuto. Casaram meses depois com a promessa de constituir uma imença família.
Ilusão. Um ano depois quando, por não conseguir engravidar, Sarah procurou um médico para verificar sua infertilidade. Daí pra frente ela perdeu o gosto pela vida. Papai nada dizia, só a olhava choramingar pelos cantos da casa e saia para tomar um ar que se assemelhava aos que vovô tomava. Três da madrugada, acordava mamãe para encomedar o bebê. Isto tudo vim a saber por uma vizinha de nossa antiga casa que era confidente de Sarah.
Quatro anos depois nasci. Para Sarah foi uma felicidade só. Papai, já cansado de ouvir sussurros dos amigos sobre sua esposa, foi comemorar com ela, comprando meu berço. Nasci de um parto normal trabalhoso, dizem que Sarah sofreu muito. Ela cuidava bem de mim, mas papai fazia todas as minhas vontades. E por isso sempre existiam brigas.
Quando eu tinha sete anos ouvi uma discussão feia dos dois. Sarah gritava com meu pai, dizia não suportar aquela situação, queria que ele escolhesse seu destino. Papai bateu nela, mas da forma com que falava com ele, acho que foi merecida a surra. Não que eu seja a favor da violência, mas ela é muito difícil. E papai teve que ir embora sem ao menos se despedir de mim. Culpa dela, que não soube conversar. Se ela tivesse pedido com jeito, nunca mais papai chegaria tarde.
Quando eu me casar, se acontecer, tomarei as rédeas de casa. Não serei submissa a homem nenhum, não quero agir como Sarah que foi encarregada a vida toda e falou mais alto na hora errada. Não quero que meus filhos me vejam assim.

Antítese gauche

_Mente vazia, oficiana do ócio.
"Ai, que preguiça!, Itabira besta"!
De longe vejo Preta passear com uns moleques.
... dizem que meu coração é do tamanho
de minha mão.
Será, Raimundo?

Melo Neto e Drummond: papo de butequim

_Havia uma pedra no meio do caminho.
_No seu também?
_Uma pedra...
_E quem você educou com ela?
_Um povo sofredor...
_Ah, tá bom...

Ausência

Era dia quando a partida se fez
e você chegou.
Concretizou a imortalidade
leve e atroz de nuvens caudilhas.
Semeou o nada e preencheu o vazio
com um vácuo bater de asas...

Hoje choveu
e o sol nasceu.
Escuro, mas nasceu.
Opaco raiar verdejante
azul celestial.
Ouve:
_Houve compreensão!
E tudo se (des) fez
Porque quando dia, ela
cicatrizou
(mas não esvaziou!).

Ânsia

Percorre labirintos biológicos
Tateia, passeia, encobre... sulca
- ventos pensantes terrenos eternos.
Sufoca, embala...
aprisiona-se no retilínio flutuar - pulsante
sangue cardio-pensante
de minh'alma.

Escolhas

_Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas

As contrações vinham cada vez mais ritmadas e progressivas. O tempo em que elas aconteciam era cada vez menor. Vânia gritava de dor, chorando muito. Eu estava nervoso e não conseguia fazer nada por ela.
Pausa.
Salto da cama apressadamente. São onze da manhã. Tudo bem, hoje é domingo. Desço até a cozinha. Vânia está terminando de tomar seu café e avisa que vai à casa da “mamãe”.
_Volto para almoçarmos juntos.
Preferiria que ela me deixasse sozinho o dia todo. Mas não digo isso.
...
Quando fizemos os exames e descobrimos que eu não poderia ter filhos, me enchi de alegria. É claro que não demonstrei. Enquanto dizia, “Vânia, tá tudo bem”, e me esforçava ao máximo para demonstrar o contrário, pedi que me deixasse sozinho e fui ao bar do Paul comemorar a anunciação. Porque não querer filhos? E te pergunto: porque tê-los? Crianças dão trabalho, gastam dinheiro, roubam tempo, nos fazem mais mentirosos do que somos (que saudades de quando ele tinha um aninho..!)... Além do mais, nunca se sabe o que eles farão, ou serão, no futuro. Não existe essa de que terei orgulho do meu filho. E se caso ele virar um marginal? Um assassino? Que orgulho, hein?! Tudo bem que para os pais os filhos nunca têm culpa de nada. É sempre aquele vizinho mais velho, é, aquele meio vagabundo, que trabalha só pra não ter que estudar. Foi ele quem incentivou o menino a fazer aquela besteira. A Vânia seria uma mãe assim. O Beto bateu em um garoto – Roberto. Este seria o nome do nosso filho – mas queria só se defender de quem o chamou de mimado. E as expectativas que ela colocaria nele?: “Vai fazer natação, inglês, futebol, e quando for para uma universidade, fará fisioterapia.”. Nunca entendi o porquê deste curso.
Ela queria só menino. Imagina se viesse uma menina? Minha mulher teria uma daquelas crises depressivas e diria que nada acontece como planeja.
_Quero menino, mas se Deus mandar uma menina ficaremos felizes da mesma forma!
Mentira. Por dentro ela estaria odiando o fato de o bebê ser uma menina. E durante a gravidez? “Ah, estou me achando a mulher mais linda deste mundo...”. Outra mentira. Ela ficaria gorda, inchada, com seu humor mais flutuante do que o normal, totalmente insegura quanto ao dia do parto. Diria querer normal, enquanto esperaria aflita os dizeres da médica, louca pra que ela indicasse uma cesária. Depois um corte na barriga, noites em claro, seio doendo pelo leite, fraldas, remédios, consultas, “liga pra mamãe”, doces, bolo, convidados, um aninho, menino desce daí, não fala assim, e mil coisas piores. Quando com sete anos, “Que saudades de quando era um bebê!”. Mentira. Ela estaria aliviada por não ter que passar por aquilo novamente. Mas para as amigas seria: "Por mim,teria mais dois, o Marcelo é que não quer".
Não quero, nunca quis e nem vou querer. De expectativas não realizadas, bastam as minhas. Nunca plantei uma árvore, apenas escrevi redações no colegial e sempre tive vontade de ter cachorros. Sou empresário de uma construtora, as redações até que eram boas e tenho dois dálmatas. Sou muito feliz.

Contras às Carolinas

Por que não Fernanda? E sim Carolinas? O que elas têm que nós não temos? Músicos do meu Brasil, quisá do mundo: porque não a grandiosidade de esta graça tão musical: Fernanda! Uma vez, ouvindo uma rádio divinopolitana - ah! confesso que esta era questionável - ouvi uma música cuja introdução me fez soltar uma exclamação:eca! Após rir do início, veio então o refrão. “E eu tchamuu, o seu nome, o seu nome, o seu nomeeee... Fernandaaa, Fernandaaa...” Pedi para morrer. Merecemos mais que isto. Nomes menos populares como Tieta, Ana Júlia, por exemplo, já foram exaltados nas vozes de mestres brasileiros. Pô Caetano, e as Fernandas? Luizas e Gabrielas fizeram Tom Jobim ser um pobre amador, um aprendiz de seus amores. Gabriela, que cresceu e nasceu daquele jeito, tem uma canção só pra ela. Alice, Roberta, Laura... será que não existe nenhuma musa inspiradora chamada Fernanda? Até um Drão, palavra meio andrógina, esconde uma exaltação a uma certa Andréia. E a Beatriz de Chico?
Vocês devem estar pensando, “Ela tá puxando a sardinha pra ela”. Não é isso gente! Só acho que chegou a nossa vez! Fernandas do meu Brasil uni-vos! Fazei com que aquela bandinha do seu vizinho, proclame, grite, murmure, que seja, o nosso ilustríssimo nome. Minha revolta - prefiro revolução- vem de ouvir Carolina com Seu Jorge e Caetano em cds consecutivos. Daí tive esta brilhante idéia. Também quero ouvir que sou uma “menina bem difícil de esquecer, que ando bonito e tenho um brilho no olhar...”.
 
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