domingo, 17 de fevereiro de 2008

Escolhas

_Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas

As contrações vinham cada vez mais ritmadas e progressivas. O tempo em que elas aconteciam era cada vez menor. Vânia gritava de dor, chorando muito. Eu estava nervoso e não conseguia fazer nada por ela.
Pausa.
Salto da cama apressadamente. São onze da manhã. Tudo bem, hoje é domingo. Desço até a cozinha. Vânia está terminando de tomar seu café e avisa que vai à casa da “mamãe”.
_Volto para almoçarmos juntos.
Preferiria que ela me deixasse sozinho o dia todo. Mas não digo isso.
...
Quando fizemos os exames e descobrimos que eu não poderia ter filhos, me enchi de alegria. É claro que não demonstrei. Enquanto dizia, “Vânia, tá tudo bem”, e me esforçava ao máximo para demonstrar o contrário, pedi que me deixasse sozinho e fui ao bar do Paul comemorar a anunciação. Porque não querer filhos? E te pergunto: porque tê-los? Crianças dão trabalho, gastam dinheiro, roubam tempo, nos fazem mais mentirosos do que somos (que saudades de quando ele tinha um aninho..!)... Além do mais, nunca se sabe o que eles farão, ou serão, no futuro. Não existe essa de que terei orgulho do meu filho. E se caso ele virar um marginal? Um assassino? Que orgulho, hein?! Tudo bem que para os pais os filhos nunca têm culpa de nada. É sempre aquele vizinho mais velho, é, aquele meio vagabundo, que trabalha só pra não ter que estudar. Foi ele quem incentivou o menino a fazer aquela besteira. A Vânia seria uma mãe assim. O Beto bateu em um garoto – Roberto. Este seria o nome do nosso filho – mas queria só se defender de quem o chamou de mimado. E as expectativas que ela colocaria nele?: “Vai fazer natação, inglês, futebol, e quando for para uma universidade, fará fisioterapia.”. Nunca entendi o porquê deste curso.
Ela queria só menino. Imagina se viesse uma menina? Minha mulher teria uma daquelas crises depressivas e diria que nada acontece como planeja.
_Quero menino, mas se Deus mandar uma menina ficaremos felizes da mesma forma!
Mentira. Por dentro ela estaria odiando o fato de o bebê ser uma menina. E durante a gravidez? “Ah, estou me achando a mulher mais linda deste mundo...”. Outra mentira. Ela ficaria gorda, inchada, com seu humor mais flutuante do que o normal, totalmente insegura quanto ao dia do parto. Diria querer normal, enquanto esperaria aflita os dizeres da médica, louca pra que ela indicasse uma cesária. Depois um corte na barriga, noites em claro, seio doendo pelo leite, fraldas, remédios, consultas, “liga pra mamãe”, doces, bolo, convidados, um aninho, menino desce daí, não fala assim, e mil coisas piores. Quando com sete anos, “Que saudades de quando era um bebê!”. Mentira. Ela estaria aliviada por não ter que passar por aquilo novamente. Mas para as amigas seria: "Por mim,teria mais dois, o Marcelo é que não quer".
Não quero, nunca quis e nem vou querer. De expectativas não realizadas, bastam as minhas. Nunca plantei uma árvore, apenas escrevi redações no colegial e sempre tive vontade de ter cachorros. Sou empresário de uma construtora, as redações até que eram boas e tenho dois dálmatas. Sou muito feliz.

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